Seria um enorme desperdício se a vida de Nico Walker não fosse transformada em livro e filme. Acompanhe comigo: ele se alistou no exército e foi enviado para a Guerra do Iraque. Ao voltar, passou a sofrer de transtorno do estresse pós-traumático e se viciou em heroína. Para sustentar o vício, começou a assaltar bancos. Tudo isso antes de completar 30 anos. Walker foi preso e, na cadeia, recebeu uma proposta para escrever um livro, que foi intitulado Cherry. Ao ser publicado, o romance foi aclamado e se tornou um best-seller do New York Times.
Essas informações não são spoilers: elas estão disponíveis em todo o material de divulgação da obra. E, de qualquer forma, Walker não escreveu uma autobiografia. Ele se inspirou em sua própria trajetória para criar uma obra de ficção, como deixa claro logo no início do livro. Isso não reduz em nada a força e o impacto de Cherry.

Narrado em primeira pessoa por um protagonista que jamais é nomeado, o livro tem uma linguagem crua e ácida. O narrador descreve sua jornada rumo ao fundo do poço sem moralismo nem autopiedade, mas também sem suavizar sua crescente degradação. O humor, a auto-ironia e a pegada pop, frequentes no discurso do narrador, me fizeram lembrar de outro cultuado romance sobre viciados em heroína (e também inspirado em experiências pessoais): Trainspotting, ainda que a obra de Irvine Welsh seja bem mais pesada.
(Assim como Trainspotting, Cherry também foi transformado em filme. Dirigido pelos Irmãos Russo, o longa é protagonizado por Tom Holland e foi lançado em fevereiro na Apple TV+.)
A passagem do protagonista pelo exército é um dos pontos altos de Cherry. Ela é desmistificadora e trágica. Os soldados passam longe de serem heróis, muitas missões são inúteis e diversas mortes poderiam ser evitadas.
“As pessoas seguiam morrendo: uma ou duas por vez, sem heróis, sem batalhas. Nada. Éramos só operários, espantalhos de luxo; colocados lá para parecermos ocupados, subindo e descendo a estrada, dispendiosos e completamente idiotas.”
Ainda que apresente alguns problemas de ritmo — os encontros com traficantes pés-de-chinelo são repetitivos, e o desfecho é um pouco corrido —, Cherry é um livro excelente e que faz jus aos elogios recebidos. Assim como o fabuloso O mal nosso de cada dia (também publicado pela DarkSide e que também gerou um filme com Tom Holland, O diabo de cada dia), é uma obra pesada, urgente e chocante, mas que é impossível parar de ler.
CHERRY: INOCÊNCIA PERDIDA
Autor: Nico Walker
Tradução: Diego Gerlach
Editora: DarkSide Books
Páginas: 352
Onde comprar: Amazon | DarkSide Books
*Livro recebido através da parceria com a DarkSide Books.

Postado por Lucas Furlan
É formado em Comunicação Social e trabalha com criação de conteúdo para a internet. Toca guitarra e adora música e cinema, mas, antes de tudo, é um leitor apaixonado por livros.
Não conhecia, mas fiquei bem interessada em ler e conhecer a história do Niko. Ótima resenha!
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Obrigado, Ary! A história dele é bem louca rsrs Não tinha como não ser transformada em livro! 🙂
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