Distopias apresentam visões pessimistas do futuro, que ecoam, com maior ou menor exagero, questões importantes da época em que foram escritas. Os cenários em que elas se passam apresentam situações vistas como tendências pelos autores, que podem estar certas ou não – só o tempo vai dizer. Em seu livro de estreia, O passado dos que ardem por um futuro melhor, o escritor e diplomata Daniel Falcon Lins também faz uma projeção do futuro. O problema é que ela mais parece um pesadelo saído dos grupos conservadores do WhatsApp.
Vejamos: o livro se passa no Brasil, no início do século XXII. O país é regido por leis “ultra progressistas”, com grande liberdade sexual e defesa irrestrita das minorias. Esse contexto permite que organizações bizarras de pedófilos e de pessoas que se relacionam com animais lutem pelo “direito de reconhecimento e de amar sem preconceito” — numa alusão óbvia e descabida à luta legítima dos movimentos LBTQIA+.
E fica pior. No futuro imaginado no livro, multidões de pessoas vagam pelas ruas como zumbis devido ao uso exagerado de “substâncias modificadoras de estado mental”. Uma congressista participa de uma performance que envolve um aborto realizado ao vivo. As cotas são utilizadas até em formações de filas. Uma personagem é descrita como “uma feminista ferrenha (…) que odiava profundamente duas coisas: família e evangélicos”.
Há cutucadas em artistas, jornalistas, juízes e funcionários públicos.
Lá pelas tantas, ainda descobrimos que existem agentes cubanos infiltrados na sociedade brasileira, que uma parte da Amazônia pertence à China e que (spoiler) um sangrento golpe político está sendo colocado em prática para fazer as coisas voltarem ao normal.

Obviamente, acredito que o autor deve ter liberdade total sobre seu texto, seja ele conservador ou progressista. Mas, no momento em que vivemos, com a ascensão de políticos de extrema-direita e o crescimento de movimentos conservadores em todo o mundo, o cenário imaginado por Daniel Falcon Lins se torna inverossímil.
Durante toda a leitura, tentei adivinhar se o autor realmente crê que um futuro assim seria hipoteticamente possível, ou se ele estava sendo sarcástico e anárquico. Sinceramente, não sei dizer — mas a primeira opção parece mais certeira.
Posicionamentos políticos à parte, achei a jornada do protagonista Viterley por Brasília um pouco confusa, assim como sua participação nos planos do deputado Marccus. A profusão de siglas e a grafia estranha dos nomes dos personagens torna a trama ainda menos clara. A discussão sobre o politicamente correto é válida, mas aqui ela é tratada com uma mão muito pesada.
Em alguns momentos, O futuro dos que ardem por um passado melhor aborda temas relevantes, como alterações climáticas e a escassez de água e de alimentos. A conectividade total de pessoas com carros e móveis — incluindo a existência de um “eu virtual” — também é interessante.
Pena que isso se enfraqueça em meio ao cenário exagerado, caricatural e pouco crível em que o romance se passa.
→ Foto de capa do post: Chris Barbalis / Unsplash.
O FUTURO DOS QUE ARDEM POR UM PASSADO MELHOR
Autor: Daniel Falcon Lins
Editora: Independente
Páginas: 282
Onde comprar: Amazon
Livro recebido através da parceria com a Oasys Cultural.

Postado por Lucas Furlan
É formado em Comunicação Social e trabalha com criação de conteúdo para a internet. Toca guitarra e adora música e cinema, mas, antes de tudo, é um leitor apaixonado por livros.
Muito obrigada pela leitura e resenha querido Lucas. Será útil ao aprendizado do autor.
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Eu que agradeço, Valéria!
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