Desafinados no coro dos contentes
Autor: Aguinaldo Tadeu
Editora: Giostri
Páginas: 172
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A resenha de hoje é sobre o livro Desafinados no coro dos contentes, do escritor mineiro Aguinaldo Tadeu. A obra foi publicada em 2014 e sua trama se situa nessa mesma época: há várias referências ao governo de Dilma Rousseff, à Copa do Mundo no Brasil e às manifestações que aconteceram nesse período. Recebi o livro como cortesia da agência Oasys Cultural.
Arthur e Kimkim
Os dois “desafinados” do título são Arthur, um funcionário público frustrado que quer ser escritor, e Kimkim, um artista de rua que se destaca por seus comentários irreverentes sobre a política brasileira. Ambos vivem em Brasília e têm o sonho de viver profissionalmente da arte.
Arthur e Kimkim trabalham em áreas próximas e, apesar das diferenças sociais, se tornam amigos. Eles têm muito em comum e acabam influenciando um o destino do outro.
A leitura de Desafinados no coro dos contentes é bem rápida. Seus capítulos são curtos e narrados alternadamente pelos dois protagonistas; muitos deles são praticamente “espelhados”, pra mostrar como Kimkim e Arthur têm sentimentos parecidos.
O livro passa uma mensagem positiva sobre o valor de quem pensa diferente e sobre a importância de nunca desistir de seus sonhos. Dito isso, preciso ser sincero e falar sobre alguns pontos que me desagradaram na obra…

Contradições
Desafinados no coro dos contentes tem pouca ação – mas, até aí, nenhum problema. O que incomoda é que o livro, apesar de curto, é repetitivo. A maior parte da obra é formada por Arthur e Kimkim expondo seus pensamentos e descrevendo suas rotinas, para provar o quanto são diferentes das pessoas ao redor.
Os personagens são homens bons e bem intencionados, mas que acabam sendo um pouco chatos… Sabe aquele conhecido seu que vive reclamando do trabalho e apontando o defeito dos outros, ao mesmo tempo que não se cansa de se vangloriar de suas qualidades?
Em dado momento, Kimkim diz sobre si próprio:
Os animais veem a nossa alma. Talvez por serem assim, sempre gostaram de mim também, que sou simples, puro e tenho alma de criança.
Não são poucas as passagens onde ele próprio se define como engraçado e espirituoso. Além disso, as ideias políticas dele não são assim tão controversas quanto a sinopse do livro dá a entender. Ele basicamente critica o governo Dilma e chega a batizar um cachorro com o nome de Guido Mantega, ex-Ministro da Fazenda.
Com Arthur, não é diferente. Logo no início do livro, ele descreve uma conversa sua com Thiago, um colega de repartição:
Ele falava como se fosse meu chefe. Mas não é. Só tem muita vontade de ser. E não vai demorar muito para isso acontecer. (…) Pensar somente em trabalho deu resultado pra ele. Eu não farei isso. Não venderei a alma para a repartição.
Lido apenas uma vez, o trecho mostra força, mas comentários assim se repetem exaustivamente. Passagens desse tipo (e outras, como a que ele sugere que uma colega só foi promovida por ser sedutora) fazem com que Arthur, que é apresentado na sinopse como um sujeito bacana e único, pareça ser rancoroso e ressentido.

Mostre, não conte
Um narrador desagradável não é um problema; a literatura está cheia deles. A questão é que os pensamentos e atitudes do personagem não condizem com o que é dito sobre ele na sinopse da obra. Fica a impressão que o autor não conseguiu passar o personagem para o papel da mesma forma que o imaginou na sua cabeça.
A opção do escritor de “contar” ao invés de “mostrar” gera algumas situações contraditórias. Arthur diz que já teve várias namoradas (inclusive teria namorado várias delas ao mesmo tempo), mas fica totalmente abobalhado e sem reação quando o olhar de uma moça passa por ele no metrô. Nenhum relacionamento de Arthur é mostrado na história, e, por suas atitudes, ele parece ter pouca experiência com mulheres.
Em outro momento, Arthur diz que, quando lê, mergulha no livro e esquece tudo ao redor. Mas isso não impede que, poucas linhas depois, ele seja capaz de observar tudo o que acontece à sua volta, mesmo estando compenetrado na leitura. O que ele conta, é diferente do que ele mostra.

Ingenuidade
Aguinaldo Tadeu já escreveu outros livros, mas Desafinados no coro dos contentes transmite uma certa ingenuidade. Ela fica clara durante a cena da manifestação, no uso de alguns elementos mágicos na narrativa e no desfecho onde tudo se resolve com muita facilidade. No fim das contas, a “desafinação” de Arthur e Kimkim não é visceral como a gente espera. Eles são apenas bons moços aguardando a oportunidade certa para realizar seus sonhos.
Não é o meu tipo de livro preferido e a construção dos personagens me incomodou, mas a obra pode agradar quem procura uma leitura rápida e cheia de frases de motivação.
(Pra encerrar, preciso fazer um elogio a respeito do acabamento do livro: essa edição ficou muito caprichada. Parabéns aos responsáveis!)
AVALIAÇÃO
→ Fotos: Lucas Furlan