A trama de A estepe, se é que se pode chamar assim, é muito simples: o comerciante Kuzmitchóv e o padre Khristofor viajam numa charrete velha pela estepe russa para vender lã. Com eles, estão o cocheiro Deniska e o sobrinho de Kuzmitchóv, Iegóruchka. Ele é um garoto de nove anos que está sendo levado, contra a sua vontade, para estudar em outra cidade. Com essa história mínima, Anton Tchékhov produziu uma obra muito bonita e delicada.
Tchékhov e sua “narrativa sem enredo”
Como o tradutor Rubens Figueiredo explica na introdução, a intenção do escritor russo, em sua primeira narrativa mais longa, era justamente criar “uma narrativa sem enredo, sem heróis”. Ainda segundo Figueiredo, o texto de Tchékhov é “ao mesmo tempo, um relato de viagem, uma narrativa ficcional, um estudo de tipos característicos da região, a pintura de quadros da natureza”.
Tchékhov era um grande observador e suas descrições são o destaque de A estepe. Cada personagem que cruza o caminho dos viajantes tem uma identidade própria, sejam eles mujiques (os camponeses russos) ou nobres. A estrada e a natureza são tratadas como se fossem personagens, e muitas vezes são descritas com características humanas:
“O aspecto rasgado e esfarrapado da nuvem lhe dava uma feição de bêbada e de baderneira.”

Um desfecho agridoce
O livro é narrado em terceira pessoa, mas acompanhamos principalmente o ponto de vista de Iegóruchka. Ele passa por maus bocados durante a viagem e geralmente é tratado como se não fosse apenas uma criança — em dado momento, ele é obrigado a seguir viagem com pessoas que ele não conhece. Tchékhov consegue transmitir para o leitor o medo, a raiva e a insegurança do garoto, mas sem apelar para o melodrama. Iegóruchka sabe que sua vida vai mudar para sempre e, por isso, o tom geral de A estepe é melancólico:
“O russo ama recordar, mas não ama viver; Iegóruchka ainda não sabia disso e, antes de toda a papa ser devorada, ele já estava profundamente convencido de que, em redor da panela, estavam pessoas ultrajadas e maltratadas pelo destino.”
Tchékhov reserva momentos de tensão para o final do livro, e o desfecho é agridoce. Nós nos identificamos e nos solidarizamos com a jornada de Iegóruchka, que acaba ganhando contornos simbólicos. Como ele, todos nós estamos viajando pela nossa própria estepe, sem saber o que o fim do caminho nos reserva.

A ESTEPE – HISTÓRIA DE UMA VIAGEM
Autor: Anton Tchékhov
Tradução: Rubens Figueiredo
Editora: Penguin Companhia
Páginas: 144
Onde comprar: Amazon

Postado por Lucas Furlan
É formado em Comunicação Social e trabalha com criação de conteúdo para a internet. Toca guitarra e adora música e cinema, mas, antes de tudo, é um leitor apaixonado por livros.
Um comentário em “Resenha | A estepe, de Anton Tchékhov”