A SONATA A KREUTZER
Autor: Lev Tolstói
Tradução: Boris Schnaiderman
Editora: 34
Páginas: 120
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Publicada em 1891, A sonata a Kreutzer é uma das obras mais controversas de Tolstói. A novela é praticamente um monólogo do personagem Pózdnichev, no qual ele narra a longa crise de seu casamento, que culminou no assassinato da própria esposa.
Um personagem misógino
Além da descrição do crime em si — que é citado logo no começo do livro — a polêmica de A sonata a Kreutzer também decorre do fato de Tolstói ter usado seu personagem, que é absolutamente detestável, para expôr algumas de suas ideias mais radicais, principalmente aquelas que dizem respeito às mulheres.
Pózdnichev as vê, basicamente, como criaturas superficiais e manipuladoras, que usam a sensualidade para alcançar seus objetivos. Pra ele, todos os matrimônios estão fadados ao fracasso e o sexo é sempre pecaminoso.
É incômodo saber que Tolstói acreditava em muitas dessas coisas, entretanto, não é exato dizer que o personagem seja seu alter ego.

Uma novela densa e brilhante
Quem conseguir passar por cima dessas ideias indefensáveis e encarar A sonata a Kreutzer não como um panfleto, mas como uma obra de criação literária, vai encontrar uma novela densa, intensa e brilhante. Eu garanto que vale a pena.
Tolstói é um escritor tão impressionante que, no contexto da história, chega a ser aceitável que Pózdnichev tenha aquelas opiniões. Ele é um homem atormentado e patético, que nunca esteve preparado para a vida conjugal.
Depois de uma juventude vivida na devassidão, ele se casa por mera formalidade social. Embora tenham cinco filhos, ele e a esposa são dois estranhos que brigam por qualquer motivo. Não por acaso, o nome dela não é citado nenhuma vez em seu relato.
Pra piorar a situação, um violinista, chamado Trukhatchévski, entra no círculo do casal e Pózdnichev é atacado pelo ciúme. Esse sentimento tem como trilha sonora a sonata de Beethoven que dá nome à novela.
“O horrível estava em que eu reconhecia em mim um direito cabal, indiscutível, sobre o corpo dela, como se fosse o meu corpo, e ao mesmo tempo sentia não poder exercer essa posse, que ele não era meu e que ela podia usá-lo como quisesse, e que o seu desejo estava em dispor dele de maneira diversa da que eu queria.”
Detalhes
A misoginia do personagem principal não deve ser ignorada e pode fazer com que muitos leitores queiram abandonar A sonata a Kreutzer pela metade, mas eu recomendo: leiam o livro até o final. Ideias absurdas à parte, trata-se de uma obra impressionante.
A forma como o relato vai ficando mais intenso à medida que o crime se aproxima, e a preocupação com os detalhes (a bainha do punhal, os sapatos do assassino) não deixam dúvidas sobre a genialidade de Tolstói.
A edição da Editora 34 está excelente como sempre, e a tradução e o posfácio de Boris Schnaiderman são a cereja do bolo.
Resenha muito esclarecedora!
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Obrigado! 🙂
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interessante a resenha, mas penso que interpretar as ideias do personagem como as de Tolstói é cair na mesma ingenuidade de acreditar que, por ter escrito Lolita, Nabokov compartilha da personalidade obsessiva de seu protagonista. Sonata a Kreutzer incomoda pela misoginia de seu personagem – mas essa misoginia está à prova do escrutínio crítico de Tolstói, que explora a mente machista de muitos homens de sua época. acho, inclusive, uma obra bastante vanguardista e ousada em sua visão das mulheres – em vez de atacá-las, ele, na realidade, as defende, expondo o incômodo que mulheres livres provocam desde sempre.
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Oi, Alana!
Eu escrevi essa resenha há algum tempo e acredito que eu possa ter exagerado ao colocar Pózdnichev como porta-voz de Tolstói, ainda que apenas em alguns momentos. Mas o que eu quis dizer é que inegável como Tolstói utiliza personagens femininas para gerar o conflito em várias de suas histórias, com mulheres cheias de malícia e ambição, ou verdadeiramente más. Em determinado momento de sua vida, o autor russo passou a defender o celibato e a condenar o sexo, mesmo tendo diversos filhos.
Porém, gostei muito dessa sua visão de que Tolstói estaria defendendo as mulheres livres. Nunca tinha pensado nisso e achei muito interessante.
Um abraço e obrigado pelo comentário!
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