Resenha | O mandarim, de Eça de Queiroz

O mandarim
Autor: Eça de Queiroz
Editora: L&PM Pocket
Páginas: 96
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O crime do Padre Amaro, O primo Basílio, Os Maias. Esses foram alguns dos livros que fizeram com que José Maria Eça de Queiroz (1845-1900) se destacasse como o principal nome do Realismo português, sendo considerado um dos maiores escritores nascidos em Portugal de todos os tempos. Na resenha de hoje, porém, não vou falar de nenhuma dessas obras, mas sim de O mandarim. Neste curto livro, que foi publicado em 1880, Eça se afastou da estética Realista/Naturalista e se aproximou da literatura fantástica típica do Romantismo, sem abrir mão da crítica social que caracterizou seus trabalhos mais famosos.

O português Eça de Queiroz.

A tentação de um funcionário público

O protagonista e narrador do livro de Eça de Queiroz é Teodoro, um funcionário público que leva uma vida completamente medíocre. Numa noite, ele tem a oportunidade de ganhar uma fortuna, mas de uma forma que nunca imaginaria…

Sozinho em seu quarto, Teodoro recebe a visita do diabo e percebe que uma campainha apareceu misteriosamente ao seu lado. O funcionário é informado que, se tiver a coragem de tocar a campainha, um velho e riquíssimo mandarim irá morrer nos confins da China, deixando toda a sua herança para ele.

O dilema moral de Teodoro dura pouco tempo e ele cede à tentação. Pouco tempo depois, ele realmente herda a riqueza do mandarim e se torna milionário e influente. Com o tempo, porém, Teodoro começa a ter visões com o velho morto, e se arrepende por ter deixado a família do mandarim na pobreza. Decidido a minimizar as consequências de seus atos, ele embarca numa estapafúrdia viagem para a China.

Capa da edição de bolso da L&PM.

Um personagem detestável

Apesar de ter se inspirado no mito de Fausto (no qual o trágico personagem vende sua alma para o diabo), O mandarim tem bem pouco de tragédia. Teodoro é um personagem detestável: de tanto se curvar ao ver seu chefe, ele ficou corcunda; apesar de se proclamar racional e ateu, ele reza para ganhar na loteria; Teodoro acredita ser capaz de ajudar, não só a família do mandarim que ele matou, como a China inteira, apenas pelo fato de ser um “bacharel”, e por aí vai…

O grande mérito de Eça de Queiroz é não tentar fazer com que a gente goste do personagem; pelo contrário, os leitores querem mais é que o egoísta e mesquinho Teodoro se ferre. Para causar essa reação o humor é fundamental – e O mandarim tem muitos momentos engraçados.

Por exemplo, quando o protagonista enriquece, ele é cercado de bajuladores e aproveitadores e parece orgulhoso da situação. Essas cenas são descritas com exagero e muita ironia:

Duas pilhérias que soltei durante esse ano foram telegrafadas ao Universo pelos fios da Agência Havas; e fui considerado mais espirituoso que Voltaire, que Rochefort, e que esse fino entendimento que se chama Todo o mundo. Quando o meu intestino se aliviava com estampido – a Humanidade sabia-o pelas gazetas. Fiz empréstimos aos Reis, subsidiei guerras civis – e fui caloteado por todas as Repúblicas latinas que orlam o golfo do México.

Visão superficial da China

O mandarim tem um início poderoso, mas a narrativa fica um pouco arrastada quando Teodoro decide viajar para a China. Eça não poupa o país oriental de sua ironia (quando cita, por exemplo, o hábito dos chineses de comerem carne de cachorro), mas a descrição da China feita por ele é preconceituosa e superficial. Apesar do livro já ser curto, a passagem de Teodoro por lá poderia ser um pouco menor.

Como essa viagem ocupa a maior parte do texto, O mandarim perde força se comparado com outros trabalhos do autor. Mas é uma leitura muito válida, sem dúvida.

Apesar de seu humor ferino, há um fundo moral em O mandarim. Eça de Queiroz critica a ambição desenfreada, que ultrapassa a ética e a moral, e ironiza as características que costumam acompanhar os “novos-ricos”, como o deslumbramento e a cafonice. Eça deixa claro que alguns males não podem ser desfeitos, e ainda joga um dilema para o leitor: se tivesse a oportunidade, você tocaria aquela campainha?

AVALIAÇÃO

3-estrelas-2

Fotos: Lucas Furlan, exceto retrato Eça de Queiroz (extraído da internet).

5 comentários em “Resenha | O mandarim, de Eça de Queiroz

  1. Eu gosto muito dessa estória. Já li umas 4 vezes em fases diferentes da vida e, nada me tira da cabeça q aquele filme ruim chamado A caixa, com a Cameron Dias é a estória do Mandarim, não creditada…

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  2. O grande mérito d’O Mandarim é a discussão sobre o perdão. Não existe o perdão e o mal feito não pode ser desfeito, não importando a forma escolhida para indenizar. O arrependimento não traz de volta vidas ou fortunas perdidas, consequências do seu mal feito. Isso cabe bem na visão agnóstica de Eça de Queiroz

    Curtido por 1 pessoa

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