Romantismo? Na versão literária mais famosa de “A Bela e a Fera” o amor não era fundamental

Qual seria a principal mensagem por trás de A Bela e a Fera? Valorizar a beleza interior? Sim, sem dúvida. Mas na versão mais popular do conto, escrita em 1756 pela francesa Madame Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, essa valorização tinha uma função bem específica: ensinar às garotas a aceitarem os casamentos arranjados, nos quais o amor não era fundamental.

Quem explica essa tese é a estudiosa do folclore europeu Maria Tatar, na introdução de A Bela e a Fera presente na coletânea Contos de Fadas, organizada por ela e publicada no Brasil pela Zahar.

A ideia pode parecer meio chocante pra quem está acostumado ao romantismo presente em versões mais modernas do conto, mas faz todo o sentido. Pra explicar melhor, vou precisar dar alguns spoilers da trama escrita pela Madame de Beaumont. Se você não quiser saber, pare de ler agora, ok?

A Fera representa… um marido desconhecido?

Na história, Bela se torna prisioneira no castelo da Fera para pagar uma punição sofrida por seu pai, que tinha roubado uma rosa do jardim da criatura. Apesar de estar cativa, a jovem tem liberdade para circular pelo castelo e é tratada com muito respeito e gentileza. Logo, ela percebe que a Fera, apesar de sua aparência monstruosa, tem um bom coração (na verdade, a criatura era um príncipe que tinha sido enfeitiçado anos antes).

Durante vários dias, a Fera pede que Bela se case com ele, mas a garota rejeita o pedido alegando que seu companheiro era muito feio. Com o passar do tempo, porém, ela começa a se afeiçoar a ele, ignorando seu aspecto rude e valorizando suas virtudes.

Por fim, Bela aceita se casar com a Fera e essa decisão faz com que o feitiço seja quebrado. O monstro volta a ter a aparência de um príncipe e eles “vivem felizes para sempre”.

Ficou na cara, né? Várias jovens românticas do século XVIII devem ter passado por situações semelhantes à da Bela, ao serem forçadas a resolver um “problema” criado por seus pais: casar com alguém que mal conheciam num matrimônio arranjado. O marido talvez parecesse um monstro rude e feio num primeiro momento, mas a convivência e a rotina fariam com que a jovem esposa passasse a admirá-lo. Ou que, pelo menos, se acostumasse com ele, mesmo que não houvesse amor envolvido.

Quer mais? O conto de Madame de Beaumont apareceu pela primeira vez num livro chamado Le magazine des enfantes, que era usado didaticamente para ensinar virtudes à crianças e jovens. No trecho em que Bela decide se casar com a Fera, a protagonista reflete:

Não é muita maldade minha (…) fazer sofrer a Fera que é só bondade para mim? É culpa dele se é tão feio, se não é muito inteligente? Ele é bom, e isso vale mais que todo o resto. (…) Não é nem a beleza, nem a inteligência de um marido que fazem uma mulher feliz. É o caráter, a virtude, a bondade. A Fera tem todas essas boas qualidades. Não o amo; mas tenho por ele estima, amizade e gratidão. Vamos, é errado fazê-lo infeliz.

Versão moderna apresenta uma protagonista forte e ressalta a importância da empatia

Com o passar dos anos, essa defesa dos casamentos sem amor se tornou anacrônica e perdeu força; as versões mais modernas da história têm como mensagem principal a importância da empatia: o amor pode surgir entre aqueles que são diferentes. Foi assim na animação da Disney de 1991 e, com certeza, também será na versão live action do filme, produzida pelo mesmo estúdio, que estreia hoje.

Bela é vivida por Emma Watson, que, na vida real, é uma ativista dos direitos femininos e jamais se envolveria num projeto que dissesse às mulheres que elas devem se curvar às convenções culturais. A atriz caiu como uma luva para a personagem, que é bastante avançada para o século XVIII. É preciso dizer que a Bela do conto de Madame de Beaumont tem pontos em comum com a Bela “moderna”, como uma personalidade decidida, a inteligência e o gosto por livros e música.

Apesar de ter sido usada para uma função pedagógica totalmente ultrapassada, a história continua encantadoraPra quem quiser conhecer melhor a versão literária de A Bela e Fera, eu sugiro dois livros da coleção Clássicos Zahar. Um é o já citado Contos de Fadas, que reúne as histórias infantis mais populares do mundo. O outro é a edição bolso de luxo de A Bela e a Fera, que apresenta, além do conto de Madame de Beaumont, uma versão anterior e mais extensa da história, escrita por Madame de Villeneuve em 1740.

Por fim, confira o trailer do novo A Bela e Fera, que, lembrando, estreia hoje:

Imagens extraídas da internet.

9 comentários em “Romantismo? Na versão literária mais famosa de “A Bela e a Fera” o amor não era fundamental

  1. Olá! Um prazer conhecer seu blog pela indicação de 1 pedra no caminho. Por coincidência, publiquei minha resenha ontem sobre “A Bela e a Fera” movida por querer ler a obra antes de assistir o filme. Se quiser dar uma passadinha lá no Refúgio Ameno para conhecer, será muito bem-vindo. Acompanharei seus projetos. Um abraço! 😉

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  2. Antigamente as jovens eram obrigadas a se casarem com quem os pais escolhiam, isso vemos em novelas, filmes e livros de época e históricos, antes elas apenas tinham que obedecer e aceitar, isso é devido aquela época. O filme retrata que a beleza não está na aparência, que temos que ver o coração antes de julgar, acho que foi isso que retratou o filme, Bela é uma jovem sonhadora, e romantica. luta pelo que quer e por quem ama, com o passar do tempo ela se apaixonou pela Fera mais não pela beleza e sim o que avia dentro dele. Eu amei o filme.
    Amei seu texto e vejo que as jovens do passado sofreram muito por não terem voz e escolhas.

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