Resenha | Crônicas: volume um, de Bob Dylan

cronicasCrônicas: volume um
Autor: Bob Dylan
Tradução: Lúcia Brito
Editora: Planeta
Páginas: 328
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 O fato de Bob Dylan ter ganhado o Prêmio Nobel de Literatura de 2016 gerou muita polêmica. Afinal, a premiação levou em conta o trabalho do músico como letrista, o que desagradou alguns escritores e críticos. O prêmio, porém, foi ótimo para os leitores brasileiros. A volta de Dylan às manchetes fez com que a editora Planeta reeditasse o livro Crônicas: volume um, que estava há muito tempo esgotado no país.

Inverno congelante em Nova Iorque

A obra até pode ser considerada uma autobiografia, mas pode decepcionar quem espera por um panorama completo da vida do cantor. Crônicas é dividido em cinco partes, nas quais Dylan narra, com idas e vindas no tempo, algumas épocas específicas de sua longa carreira.

Boa parte do livro é dedicada à sua chegada em Nova Iorque, no rigoroso inverno de 1961. Dylan tinha apenas 19 anos e estava decidido a se tornar um cantor profissional de folk. O músico relembra os sofás emprestados onde dormiu, os cafés onde tocou e as pessoas que conheceu. Dylan também conta como o cenário folk de Nova Iorque era interessante e narra seus primeiros passos na poderosa gravadora Columbia Records.

Os fãs de literatura vão gostar particularmente dos trechos onde Dylan relembra os livros que leu. Ele deixa claro que sua formação intelectual só ficou completa em Nova Iorque, onde entrou em contato com obras de, entre outros, Rimbaud, Balzac, Tolstói, Faulkner e do historiador grego Tucídides (!). Dylan também conta que, àquela altura, já perdera um pouco do entusiasmo por On the road, obra maior do movimento beat, embora o livro tenha sido sua bíblia durante a adolescência.

Deixando as memórias jorrarem, o cantor descreve também encontros e parcerias que teve ao longo da vida com importantes nomes da música, como The Greateful Dead, Tom Petty, Bono, Johnny Cash… Ele elogia os Beatles, Roy Orbinson e Johnnye Rivers, e ainda conta o que sentiu ao ouvir pela primeira vez Woodie Guthrie e Robert Johnson (que se tornariam referências fundamentais em sua música). Os brasileiros ainda vão gostar de uma citação nominal aos músicos da bossa-nova João Gilberto, Roberto Menescal e Carlos Lyra.

É interessante perceber como Dylan sempre teve uma percepção afiada sobre sua carreira. Ele sabia quando estava no caminho certo e também quando precisava mudar alguma coisa (fossem as letras, sua sonoridade, sua relação com os fãs, ou até seu jeito de tocar e cantar).

Ausência de episódios famosos

Dito tudo isso, é preciso alertar o leitor sobre as peculiaridades de Crônicas: volume um. Muitos acontecimentos cruciais da carreira de Dylan não aparecem, ou aparecem muito brevemente no livro. A “escandalosa” transição do violão para a guitarra elétrica; o show do festival de Newport de 1965; a aproximação com os Beatles; as lendárias gravações das Basement tapes; a composição de Like a rolling stone. Nada disso é citado na obra. Muitos fãs de Dylan já conhecem essas histórias de trás pra frente, mas muitos gostariam de ouvir a versão do protagonista.

O misterioso acidente de moto que ele sofreu em 1966 é citado em uma única frase. Ela aparece na parte três do livro, onde Dylan conta como, depois de sofrer o acidente, aproveitou para sair de cena para cuidar da esposa e dos filhos. Foi uma época difícil, com hippies invadindo sua casa e exigindo que ele assumisse o papel de porta-voz da juventude.

Na quarta parte do livro, Dylan narra todo o processo de composição e gravação de um de seus discos. Mas, ao invés de falar sobre a produção de clássicos como Blonde on blonde (de 1966) ou Blood on the tracks (de 1975), ele escolheu escrever sobre o menos importante Oh mercy, lançado em 1989, que tem músicas como Most of the time e Political world.

Memórias com poesia

Ou seja: Crônicas não é para iniciantes em Bob Dylan. Alguns fatos que são apenas pincelados, só serão compreendidos por quem já tem um certo conhecimento na vida e na carreira do músico. Se for o seu caso, você vai aceitar e compreender o estilo fragmentário do texto, ao mesmo tempo em que vai admirar trechos como:

O que eu tocava na época eram canções de folk com letras fortes e atrevidas, guarnecidas com fogo e enxofre (…).

Ou ainda:

Eu realmente jamais fui mais do que era – um cantor de folk que fitava a névoa cinzenta com os olhos cegos pelas lágrimas e fazia canções que flutuavam em uma neblina luminosa. Agora a névoa havia soprado para o meu rosto e pairava sobre mim.

Apesar da polêmica do Prêmio Nobel, é inegável o talento de Dylan com as palavras.

Mais livros sobre Dylan

Na última parte do livro, intitulada Rio de gelo, Bob Dylan dá vazão a um lado mais emocional e digamos, singelo. Ele escreve sobre a infância na pequena cidade de Hibbing, sobre seu relacionamento com Suze Rotolo (que aparece na capa de The freewheelin’, disco de 1963) e sobre sua admiração pela ex-namorada e parceira musical Joan Baez.

Como esses momentos são narrados no final de Crônicas, dá a impressão de que Dylan vai dar prosseguimento às lembranças. De fato, desde o lançamento do livro, há 13 anos atrás, é dito que novos volumes serão publicados. A má notícia é que, até agora, nada veio à tona, embora o cantor sempre diga que está trabalhando neles…

Quem quiser se aprofundar mais na carreira de Dylan e não quiser esperar, pode procurar o ótimo documentário No direction home, dirigido por ninguém menos que Martin Scorsese. Com muitas imagens e depoimentos, o filme narra desde a infância do cantor até o já citado acidente de moto. Outra excelente opção é a biografia escrita por Robert Shelton, que tem o mesmo nome do documentário: No direction home – a vida e a música de Bob Dylan. Ela foi editada pela Larousse e, com 768 páginas, cobre toda a vida de Dylan, além de apresentar muitas fotos e a discografia do músico.

E tem mais Dylan chegando às livrarias ainda neste ano. A Companhia das Letras vai publicar dois volumes com todas as suas letras em edição bilíngue. E a própria Planeta, editora de Crônicas: volume um, vai lançar uma nova tradução do livro de prosa poética experimental Tarântula, escrito por ele nos anos 60.

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Da esquerda para a direita: o documentário dirigido por Martin Scorsese; a biografia de Robert Shelton; a capa original do livro de prosa poética “Tarântula”; e a capa importada do volume com todas as letras de Dylan.

AVALIAÇÃO

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Imagens extraídas da internet.

 

 

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