Em 1999, Jim Carrey estrelou o filme O mundo de Andy, a cinebiografia de um de seus maiores ídolos, o comediante Andy Kaufman (1949-1984). Em suas apresentações, Kaufman costumava confundir seus espectadores, que muitas vezes não conseguiam distinguir o que era piada e o que era realidade. Jim Carrey resolveu adotar esse método em O mundo de Andy, e passou a incorporar Andy Kaufman 24 horas por dia. Dessa forma, ele quase enlouqueceu o diretor (o consagrado Milos Forman), o elenco e a equipe de produção do filme.
Imagens proibidas por quase 20 anos
O comportamento de Carrey foi tão excêntrico que o estúdio achou melhor proibir a divulgação das cenas dos bastidores – afinal, o ator era um dos maiores astros de Hollywood da época. Agora, quase 20 anos depois, as imagens deram origem a um documentário sensacional: Jim & Andy: The great beyond, dirigido por Chris Smith e produzido pela Netflix. Nele, o próprio Jim Carrey analisa como foi a experiência de, literalmente, reviver um dos comediantes mais polêmicos (e cultuados) do século XX.
A atuação de Carrey em O mundo de Andy é brilhante (foi inacreditável o filme ter sido ignorado no Oscar), mas seu processo de criação, como é mostrado em Jim & Andy, foi bizarro. Esse adjetivo, aliás, é dito inúmeras vezes no documentário.
O ator só atendia se fosse chamado de Andy, falava com a voz dele e fazia loucuras, como dirigir um carro pelo estúdio usando um saco de papel na cabeça. Uma das pessoas que mais sofreram com Carrey foi o lutador Jerry “The King” Lawler, que era amigo de Kaufman mas se passava por seu grande rival (em dado momento da carreira, Andy Kaufman começou a participar de apresentações de luta livre e, além de lutar com Lawler, desafiava mulheres da plateia a bater nele).
Jerry Lawler, que atuou em O mundo de Andy como ele próprio, foi tão provocado por Jim Carrey que acabou perdendo a cabeça e chegou a agredir o ator.
Humor ousado e sem limites
Mas o pior era quando Jim Carrey incorporava Tony Clifton, um dos personagens mais populares – e insuportáveis – de Andy Kaufman. Clifton era um velho cantor de Las Vegas que não perdia a chance de ser grosseiro e desagradável. Imagine o que acontecia quando Carrey estava caracterizado como ele…
Tony Clifton era mais uma prova do humor ousado e sem limites de Kaufman, que sempre tentava fugir do óbvio. Suas performances, sempre com um toque de excentricidade, não agradavam a todos, mas sempre surpreendiam. Um de seus quadros mais famosos consistia nele dublando, com muita timidez, apenas uma frase do tema do Super Mouse:
Da mesma forma, Jim & Andy vai surpreender quem conhece apenas o Jim Carrey “careteiro” de seus filmes mais famosos. Seu depoimento para o documentário é complexo, sério e franco, e ele expõe algumas questões delicadas, como o medo de falhar na carreira. Carrey fala porque admira tanto Andy Kaufman, e como conhecer seu trabalho e interpretá-lo no cinema mudou sua vida.
Processo criativo de um artista genial
Não assista Jim & Andy esperando uma comédia de rolar de rir, embora algumas cenas sejam muito engraçadas. Mesmo após tanto tempo, o documentário chega a ser perturbador: dá pra acreditar que a família de Kaufman, e também uma filha que ele nunca conheceu, procuraram Jim Carrey para se sentirem mais próximas do comediante (que morreu de câncer no pulmão com apenas 35 anos)? E o que dizer da revelação, dita pelo próprio, de que Carrey entrou em depressão por ter que voltar à sua própria vida depois do fim das filmagens? Bizarro é pouco…
Mas, apesar de ser assustador em alguns momentos, Jim & Andy é fantástico. Poucas vezes o espectador pôde chegar tão perto do processo criativo de um artista tão complexo e genial quanto Jim Carrey. Coloque o filme na sua lista da Netflix e assista o quanto antes.
AVALIAÇÃO