Escrito durante um confinamento forçado, livro se tornou um clássico e influenciou Machado de Assis
Minha escolha para o Desafio Literário VG2023 de janeiro foi o clássico “Viagem ao Redor do Meu Quarto”, de Xavier de Maistre, na categoria “um livro escrito no século 18” — ele foi redigido em 1794 e publicado no ano seguinte.
É impossível separar autor e obra quando se fala desse livrinho. Ele foi escrito enquanto Xavier de Maistre cumpria uma espécie de prisão domiciliar de 42 dias em Turim, depois de se envolver em um duelo. Nos 42 capítulos do livro, o autor mostra como é possível viajar mesmo estando em confinamento.
De Maistre defende que todo ser humano é composto de um corpo, que ele chama de “animal”, e de uma alma. Embora atuem em harmonia, esses dois elementos, segundo ele, também podem agir individualmente. Assim, mesmo que o “animal” esteja preso, a alma pode viajar através da reflexão e da imaginação.
E a alma de Xavier de Maistre viaja pra longe. Ele reflete sobre filosofia, pensa sobre a condição humana e recorda antigas paixões.

Desfrutar das artes também é uma das melhores maneiras de viajar. O autor fala sobre as cenas retratadas em seus quadros e, é claro, sobre os livros de sua biblioteca.
“Da expedição dos argonautas à Assembleia dos Notáveis; das profundezas dos infernos à última estrela fixa para lá da Via Láctea, aos confins do universo, às portas do caos, eis o vasto campo por onde passeio em extensão e largura, e ao meu bel-prazer; pois não me faltam nem tempo, nem espaço. É para lá que transporto minha existência, na trilha de Homero, Milton, Virgílio, Ossian etc.”
O “animal” de Xavier de Maistre também percorre pequenos percursos: da escrivaninha para a poltrona, da poltrona para a cama — sempre refletindo sobre as características desses móveis.
Memórias Póstumas
“Viagem ao Redor do meu Quarto” foi redescoberto por novos leitores, não por acaso, durante a pandemia. Inclusive, essa edição da Editora 34 foi produzida de maneira remota em 2020, em meio ao isolamento social.
Mas esse clássico conquista fãs há bastante tempo. Susan Sontag o define como “uma das autobiografias mais originais e atrevidas já escritas”. Bem antes, Machado de Assis não escondeu a influência da obra. No prefácio da quarta edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ele escreveu: “Trata-se de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo”.
As duas obras ainda têm em comum a ironia (bem mais acentuada no romance de Machado) e os capítulos curtos. Não é de se duvidar que o capítulo “O Velho Diálogo de Adão e Eva”, de “Brás Cubas”, formado basicamente por reticências e sinais de pontuação, tenha sido inspirado pelo capítulo 12 de “Viagem ao Redor do Meu Quarto”. Neste, há sete linhas de pontos e, exatamente no meio delas, apenas as palavras “a colina” — local onde Xavier de Maistre ficou encantado com a beleza da jovem Rosalie, imagem que nunca saiu de seus pensamentos.
VIAGEM AO REDOR DO MEU QUARTO
Autor: Xavier de Maistre
Tradução: Veresa Moraes
Editora: 34
Preço: R$ 51,00 (88 págs.)
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