Como prometido, seguem abaixo mais seis finais de livros que nunca saíram da minha memória. A primeira parte da lista, postada na semana passada, você confere aqui. Lembrando que alguns trechos podem conter spoilers.
7 – On the road – Jack Kerouac (tradução Eduardo Bueno) – L&PM
Assim, na América, quando o sol se põe e eu sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, e posso sentir toda aquela terra rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão até a Costa Oeste, e toda aquela estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando nessa imensidão, e em Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar, e essa noite as estrelas vão aparecer, e você não sabe que Deus é a Ursa Maior? E a estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria antes da chegada da noite completa que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia e ninguém, ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice, eu penso em Dean Moriarty; penso até no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos; eu penso em Dean Moriarty.
8 – Cem anos de solidão – Gabriel García Márquez (tradução Eliane Zagury) – Record
Macondo já era um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado. Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias da sua morte. Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.
9 – A invenção de Morel – Adolfo Bioy Casares (tradução Samuel Titan Jr.) – Cosac Naify
Minha alma não passou, ainda, para a imagem; caso contrário, eu já teria morrido, teria deixado (talvez) de ver Faustie, para estar com ela numa visão que ninguém recolherá.
Ao homem que, com base neste informe, invente uma máquina capaz de reunir as presenças desagregadas, farei uma súplica. Procure a Faustine e a mim, faça-me entrar no céu da consciência de Faustine. Será um ato piedoso.
(Leia a resenha de A invenção de Morel aqui.)
10 – O estrangeiro – Albert Camus (tradução Valerie Rumjanek) – Record
Pela primeira vez, em muito tempo, pensei em mamãe. Pareceu-me compreender porque, ao fim de uma vida, arranjara um “noivo”, porque recomeçara. Lá, também lá, ao redor daquele asilo onde as vidas se apagavam, a noite era como uma trégua melancólica. Tão perto da morte, mamãe deve ter-se sentido liberada e pronta a reviver tudo. Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar por ela. Também eu me senti pronto a reviver tudo. Como se essa grande cólera tivesse me purificado do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo. Por senti-lo tão parecido comigo, tão fraternal, enfim, senti que tinha sido feliz e que ainda o era. Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio.
11 – A guerra dos tronos – George R. R. Martin (tradução Jorge Candeias) – Leya
Quando Daenerys Targaryen se pôs em pé, seu dragão negro silvou, com fumaça clara saindo da boca e das narinas. Os outros dois afastaram-se dos seios e somaram suas vozes ao chamamento, com asas translúcidas abrindo-se a agitando o ar, e pela primeira vez em centenas de anos a noite ganhou vida com a música dos dragões.
(Leia a resenha de A guerra dos tronos aqui.)
E, finalmente, o meu favorito:
12 – O grande Gatsby – F. Scott Fitzgerald (tradução Roberto Muggiati) – Record
Sentado ali, meditando sobre o velho e desconhecido mundo, pensei no assombro de Gatsby quando descobriu pela primeira vez a luz verde na extremidade do embarcadouro de Daisy. Ele viera de tão longe até o seu relvado azul e seu sonho deve ter parecido tão próximo que dificilmente deixaria de agarrá-lo. Não sabia que o sonho já estava além dele, em algum canto na vasta escuridão da cidade, onde os campos obscuros da república se estendiam debaixo da noite.
Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano a ano recua à nossa frente. Ele nos escapara então, mas isto não importava – amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais adiante nossos braços… E numa bela manhã –
E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado.
E agora eu quero saber: na sua opinião, quais são os melhores finais da literatura (mas atenção: se for dar spoiler, AVISE).
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