Resenha | ‘O Enterro da Cafetina’, de Marcos Rey

Quando se fala em Marcos Rey, muitos leitores pensam imediatamente em seus livros infanto-juvenis, como “O Mistério do Cinco Estrelas” e “Sozinha no Mundo”. Mas o escritor paulista, morto em 1999, também deixou uma vasta produção voltada para o público adulto, como é o caso do volume de contos “O Enterro da Cafetina”, de 1967.

O livro reúne sete histórias vividas por personagens desajustados, como gigolôs, prostitutas, alcoólatras e boêmios de toda espécie. Rey os retrata com humor e simpatia, mas sem ignorar o lado patético de suas vidas.

Essa característica se manifesta principalmente nos relacionamentos amorosos descritos nos contos. Eles são conturbados, cheios de mal-entendidos e marcados por crises de ciúmes obsessivas, mesmo quando a relação é apenas platônica.

As cenas de ciúme, aliás, são recorrentes ao longo das histórias, assim como a aparição de certos personagens. Essa repetição faz com que a leitura fique cansativa em alguns momentos. Mas Marcos Rey consegue equilibrar esse cansaço com um texto ágil e bons diálogos — reflexo de sua atuação como roteirista de rádio e TV.

Capa do livro “O Enterro da Cafetina”.

Apesar de ser uma leitura um pouco repetitiva quando analisamos o livro como um todo, os contos funcionam muito bem individualmente. Todos são bons, mas considero três deles obras de arte.

O primeiro, “Traje de Rigor”, é o meu favorito. Nele, um publicitário veste um smoking pela primeira vez na vida para participar de um baile de gala. Porém, antes de ir ao evento, ele faz um “esquenta” num bar, onde encontra três conhecidos. Como há tempo antes de o baile começar, eles partem pela noite paulistana em uma peregrinação que fica cada vez mais intensa. O desfecho do conto é surpreendente.

“Mon Gigolô”, a segunda história, também é muito bem escrita. O personagem-título explora diversas mulheres e é sustentado por elas. Tudo vai mais ou menos bem até que uma de suas garotas inicia um relacionamento sério com outro rapaz.

(Aproveito pra dizer que a linguagem usada por Marcos Rey pode incomodar leitores mais sensíveis — embora ela seja muito mais suave do que a usada por autores como Dalton Trevisan e Rubem Fonseca. É preciso levar em conta que o livro tem mais de 50 anos e que personagens misóginos e cafajestes precisam falar como misóginos e cafajestes.)

O escritor Marcos Rey, pseudônimo de Edmundo Donato (1925-1999).

Por fim, destaco também o conto que dá nome ao livro. Em “O Enterro da Cafetina”, lemos sobre a vida e a morte de uma imigrante polonesa que se torna uma cafetina rica e influente, mas entra em decadência com o passar dos anos e morre pobre. Ao mesmo tempo, acompanhamos os esforços de dois amigos na preparação dos ritos fúnebres, que, segundo eles, precisam estar à altura da falecida. O evento — sim, o enterro se torna um evento — é puro caos.

O livro “O Enterro da Cafetina” deu origem a um filme de mesmo nome, lançado em 1970. Dirigido por Alberto Pieralisi e roteirizado pelo próprio Marcos Rey, ele combina na trama diversos contos do livro. Como não poderia deixar de ser, o protagonista do filme é Jece Valadão, o cafajeste-mor do cinema nacional.


O ENTERRO DA CAFETINA
Autor:
Marcos Rey
Editora: Global
Páginas: 192
Onde comprar: Amazon

Livro recebido através da parceria com a Global Editora.


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